domingo, junho 06, 2004

Esta foi para a Optimus

Saudações agressivas.

No dia 2 do corrente mês (Fevereiro) o meu equipamento de telecomunicações móveis entra numa cruel decadência, passo a explicar; ligar números sozinho, bloquear a tecla 0 de que eu tanto preciso, dizer que não encontra o cartão e exibir uma lista de comportamentos excêntricos levaram-me a telefonar para o centro de apoio cliente afim de acabar com a aflição daquele pobre aparelho.
Efectuei a chamada do telemóvel de um amigo que a única coisa que me disse foi para não lhe “phuder muito dinheiro”. Marquei confiante o numero e depois de ouvir o álbum Classical Spectaculer três vezes seguidas atendeu-me a operadora Carla Coelho que com muita doçura me acordou da hostil hipnose, pedindo desculpa pela espera e detendo-me afim de eu não me atirar da varanda do meu apartamento.
Passo a aclarar a situação para que se coloquem na posição á qual estive amarguradamente submetido; naquele momento arrojar-me de 30 metros de altitude era uma hipótese louvável; “é o mal que tem viver em edifícios altos” pensei eu a tempo de prevenir o meu ser de uma quarta exposição ao álbum acima citado e para evitar atirar-me de 30 metros de altura decido ainda consciente partir ambas as tíbias.
Pode parecer uma loucura desmedida, mas eu reagi desta forma para evitar uma possível morte ou até quem sabe uma fractura na coluna cervical que me deixaria tetraplégicamente num estado vegetativo para o resto da vida, afinal voar 30 metros de altura é capaz de ser bom, mas o problema é que a força da gravidade é tão real como as maciças lajes em cimento armado que pavimentam o agradável pátio do edifício no qual resido.
Lavado em lágrimas e com a varanda toda suja de sangue expliquei o problema do meu telemóvel á menina Carla, que ainda me perguntava se eu estava bem. Afim de a despreocupar disse que as tíbias são duas cartilagens que temos no nariz e que tinham sido apenas dois arranhões superficiais, nem acreditam como me senti mal ao dizer isto á coitada da menina Carla.
Lá me marcou um dia para ir a uma casa P OPTIMUS no freixieiro.
Desliguei-lhe na cara quando, depois de marcar o tal dia me pergunta se eu tenho mais alguma questão optimus. Afinal eu que estava ali na varanda ensanguentada do meu apartamento a sofrer de dores lancinantes e impiedosas ainda tinha UMA QUESTÃO OPTIMUS!!!!!
Já nem queria pensar em mais nada senão em tentar arrastar-me para o telefone que agora parecia tão distante. Ali estava eu, com duas fracturas expostas nas pernas, estendido sobre um pavimento frio e cada vez mais vermelho denso. Olho para o telefone que agora me faz caretas assustadoras, começo a ter alucinações, afinal o meu imaculado cérebro já estava com pouca irrigação sanguínea. Amedrontado com o aspecto do trem de cozinha que os meus pais me ofereceram pelo natal antecipo-me para o peitoril da varanda, qual trincheira em pleno bombardeamento de aparências pavorosas e descarrego a minha insegurança numa viagem asfixiante até ao piso 0. Acreditam que nem gritei durante a queda? Pelo menos é o que deduzo, pois só senti pessoas á minha volta de manhãzinha, ou seja estive durante uma noite inteira a servir de alvo para as mijadelas de cães sarnentos que com uma precisão difícil atingiam-me sempre numa qualquer ferida entreaberta do meu crânio. A única coisa que sentia era as farejadas descontínuas de um animal sobre o meu crânio semiaberto que paravam subitamente para o mesmo erguer a pata e num jacto rápido marcar a minha caveira como SEU TERRITÓRIO.
Ao fim de múltiplos desmaios e reaparições o dia nasce e eu abro os olhos e o que vejo á minha volta? Era a boa populaça a presenciar o meu sofrimento desumano. Fizeram-se logo ali apostas sobre a minha circunstância, uns diziam; “Não se safa...”, “Este já foi...”, “Coitados é dos que lá estão...”, “Já está mais para lá do que para cá...” enquanto que outros; e recordo uma senhora, “Ó AMÉLIA vai-me buscar a máquina fotográfica FILHA, QUE ESTÁ AQUI UM GAJO A BATER A BOTA” e uma outra, “Ó Vizinha tire uma para mim também, é que eu tenho um filho na suíça que gosta de ver animais mortos e coisas assim...”. Naquele momento pedi a Deus para me mandar um raio mesmo para a poça que se tinha formado com o sangue escorrido da minha cabeça, afinal os líquidos são bons condutores de electricidade e com um bocado de pontaria “ficava já ali com os miolinhos queimados que nem torresmos”, a verdade é que Deus não me ouviu, desmaiei e só me lembro de ter acordado numa cama do hospital S. João.
Depois de me examinarem, de me engessarem ambas as pernas, de me porem um cinto cervical e de atacarem em ligaduras a minha incompleta cachimónia aconselharam-me repouso. Como não sou homem para faltar a um encontro decido, logo ali deitado num ninho de hospital, ir á tal casa Optimus para resolver o problema do meu telemóvel.
Depois de adornar uma cadeira de rodas com a minha infeliz aparência meti-me, com a ajudar de uns três brutamontes, no primeiro autocarro para o freixieiro.
A viagem até nem correu mal, o problema foi quando eu constatei, já no freixieiro, que os brutamontes tinham saído numa paragem anterior; ali estava eu preso numa cadeira de rodas do hospital S. João e enfiado num autocarro amontoado de gente com cara de tudo menos de quem me ia ajudar, não me deixo abalar e insisto seguro na direcção da saída, quando me apercebo de que a minha paragem se aproximava berro em voz alta; “SENHOR MOTORISTA EU QUERO IR Á OPTIMUS AQUI NO FREIXIEIRO, MAS DÁ-SE O CASO QUE TIVE UM PROBLEMAZITO NA COLUNA E ESTOU NUMA CADEIRA DE RODAS, POR ISSO NÃO CONSIGO CARREGAR NO BUTÃO PARA FAZER PARAGEM, IMPORTA-SE DE PARAR NA PRÓXIMA?”.
Está claro que a arraia-miúda ficou curiosa na forma como o aleijadinho ia sair do autocarro, eu próprio também não tinha ideia de como me ia safar daquela situação, mas faço cara confiante, destaco que nesta altura já não conseguia sentir os meus glúteos. O autocarro pára e ainda mal as portas se tinham aberto e já estava eu a ganhar velocidade de lançamento numa cadeira de rodas, bato ainda com as pernas na pequena brecha que surgiu, mas logo depois com tanta força as portas são disparadas cada uma para sua direcção, que o problema surge precisamente aqui, quando constato que tudo o que tinha em meu auxilio era um conspurcado passeio, ainda o consegui ver a aproximar-se, mas mal o meu corpo debilitado colide com ele desmaio. Escusado será dizer que fui parar a um outro hospital do Porto. Agora para além de ter de marcar um outro dia para ir á, cada vez mais distante, loja Optimus no freixieiro tinha o meu descomposto corpo agalanado com mais ligaduras. Aqui surgia um novo problema o de eu ter de ligar novamente para o centro de apoio cliente e esperar possivelmente umas valentes musicas até voltar a marcar nova “consulta” para o meu telemóvel, este meu NOVO problema termina ao fim de uma amena conversa com dois enfermeiros que se disponibilizaram de imediato em levar-me até á malfadada loja Optimus. Talvez não estejam a compreender o motivo de precisar de dois enfermeiros para sair á rua, mas aquela queda do autocarro tinha-me provocado uma fractura na anca, que ateava pungentes dores no meu abdómen enquanto eu tentava controlar uma cadeira de rodas.
“Desta vez sou importante” pensei eu quando a ambulância do INEM, na qual me deslocava, parou mesmo em frente á loja Optimus do freixieiro, os enfermeiros apressaram-se em abrir as portas e retirar-me em maca do interior da ambulância, recordo-me ainda de assistir a um ajuntamento de pessoas, possivelmente a perguntarem-se se a optimus também administrava apoio médico, mas apoio médico foi o que eu acabei por precisar segundos após ter pensado nisto, porque as bestas dos enfermeiros tinham-me despejado literalmente dentro das instalações da loja Optimus.
O meu problema com a P Optimus surge precisamente aqui, quando eu acordo do desmaio estimulado pela ultima queda e me descubro no interior de uma loja Optimus
Arrasto-me até ao balcão, afim de resolver o problema do meu telemóvel e; enquanto me impulsiono com os ainda ilesos braços, vou gritando em voz alta: “EU SOU O ULISSES COSTA E QUERO ENTREGAR O MEU TELEMÓVEL PARA REPARAÇÃO PORQUE ATÉ JÁ MARQUEI A ENTREGA COM A MENINA CARLA COELHO DO CENTRO DE APOIO CLIENTE”, este meu esforço de nada serviu porque não obtive nenhuma resposta do “lado de lá”, confesso que já estava assanhado e fosse qual fosse a “cara bonita” que estivesse do “lado de lá” eu ir-me-ia “passar” porque aquele gesto eu não podia desculpar, comecei a imaginar a reprimenda que ia dar á empregada e até já conseguia calcular os seus argumentos.
Depois de conseguir chegar com a mão ao cimo do balcão, qual barco salva-vidas em pleno oceano composto por águas tempestuosas, puxo o meu tronco para o alto, de modo a ficar em cima do gesso que adornava as minhas pernas, começo a desbaratar o ralhete e fico rapidamente assombrado aquando da abertura das inchadas pálpebras que cobrem os meus lindos olhos, afinal o que eu vislumbrava só podia ser imaginável nos meus piores pesadelos, ali estavam eles, um monte de telemóveis dispostos de forma ordeira numa prateleira a olharem para mim. “Tristeza do cara**o” pensei eu quando me apercebi de que a famigerada loja OPTIMUS estava FECHADA e que a única pessoa que estava lá dentro era eu. Tinha que tratar de sair dali o mais rapidamente possível, afinal já era sábado e as lojas optimus não estão abertas ao domingo e além disso o ser humano esta dotado de um estômago e confesso que o meu naquela altura já estava em contracções disformes.
Presumo que saibam que o engraçado numa cadeira de rodas é o facto destas apresentarem rodas traseiras exageradamente grandes que servem para quem está em sentado nelas conseguir locomover-se, ora aí está um pormenor de que uma cama de hospital ainda não está dotada.
Afim de resolver este novo problema dou um impulso á cama de hospital que se encontrava á minha beira na direcção de um vidro de uma montra tamanho XL e ao mesmo tempo, em cima do balcão, atiro-me para a cama que agora já se movia com uma velocidade considerável, abaixo-me qual Indiana Jones no auge da acção e dum segundo para o outro já estou “cá fora”, mas tão rapidamente um estranho barulho de sirene soa “lá dentro” e uma porcaria de um pirilampo pisca “cá fora”, ainda julguei que fosse uma surpresa de um amigo mais excêntrico e já esperava com, ansiedade o momento em que TODOS os meus amigos e conhecidos surgissem detrás de um qualquer carro para me dar um telemóvel “da moda”, mas este meu animo fica apaziguado quando um outro pirilampo surge estranhamente do topo de um carro azul e branco. Por momentos ainda pensei que fosse a festa do pirilampo associada, quem sabe, á festa do FCP.
Mas instantaneamente me apercebi de que era um carro da policia. De lá de dentro saem uns 3 agentes que me espancam brutalmente ali mesmo no meio da rua, ainda recordo o que alguns disseram; “A fazeres-te de aleijadinho não vais lá...”, “coitadinho do aleijadinho...”, “vais ver o que é bom para a tosse...” e eu que tinha tudo menos tosse... mas se não tinha os senhores agentes fizeram-me o favor de me arrombar, com uma forte biqueirada, o lado direito do externo que me provocou um rasgo no pulmão do mesmo lado. Puseram-me dentro do carro de patrulha e lá me levaram para a esquadra.
Ali estava eu a prestar esclarecimentos, sentado numa cadeira e a tossir sangue. Nem falei, com medo de ficar afogado no meu próprio liquido da vida, assim deixava que este saísse e com um bocado de sorte até desmaiava, curiosamente isso foi o que acabou por acontecer.
Ultimamente quando acordo vejo estranhas formas geométricas, eles são quadrados ora rectângulos e tenho sempre um senhor Cabo Verdiano atrás de mim com cara de quem está a imaginar-me em posição de passivo num acto homossexual, eu explico. Fui preso por tentativa de assalto a uma loja de telemóveis e encontro-me a cumprir pena na prisão de Custoias. A primeira coisa que me fizeram mal entrei nas instalações foi
pôr-me uma toalha gigantesca em cima de mim com um estranho buraco que todos os reclusos insistiam em virar para trás é verdade já levei com a “toalha” e também já passei por muitas outras situações que de nada me orgulho.
O que eu queria era que a Optimus me tirasse deste problema, afinal tudo o que eu queria era arranjar o meu telemóvel.

PS: Se me quiserem contactar dentro da prisão, o que eu agradecia, por favor peçam para chamar a Amélia, nome pelo qual sou conhecido aqui dentro.



Aguardo impacientemente reposta.

Saudações Apertadas;


O Marinheiro